19 de março
Como atividade de tirocínio docente tenho acompanhado a disciplina conduzida pela Profa. Maria Helena Bonilla, na Faculdade de Educação da UFBA.
Uma observação preliminar da turma me fez repensar algumas ideias muito recorrentes nos estudos sobre educação e tecnologias: apesar de comumente encontrarmos a afirmação de que as tecnologias estão à disposição de todos, de que estamos conectados, ainda é patente a distância entre a apropriação de tecnologias digitais e a vida de futuras pedagogas.
No primeiro encontro com a turma, chama a atenção como o lápis e caderno convivem com teclado e tela, apoiando a memória, registrando caminhos pelo mundo do hipertexto e auxiliando na materialização das primeiras reflexões sobre o tema.
As estudantes, contudo, não parecem se amendrontar. Já preparam seus blogs e tateiam, ou melhor, teclam, reflexões sobre os primeiros temas discutidos em aula. O primeiro deles, “A imagem como paradigma” escrito por Felippe Serpa, e acessível pelo Rascunho Digital, ficou muito bem posicionado justamente por destacar o papel que a imagem ocupa hoje em nossa sociedade, estruturando conhecimentos, muito além de simplesmente ilustrá-los.
Geralmente, ao fazer oficinas com o tema edição de imagens, conduzo as reflexões a partir de links de imagens que ilustram diferentes momentos históricos, explorando a função vicarial do objeto, trago questões sobre o desenvolvimento cognitivo e tecnológico de cada época, sugerindo aprofundamento e pesquisa pelos estudantes. Contudo, o texto citado é muito rico em hipertextualidade e contundete nas afirmações, articulando reflexões que vão além da educação e retornam a ela com novos olhares.
Chamou-me a atenção, e não posso deixar de registrar isso, o fato de a Profa. Bonilla ter uma versão desse texto fotopiado de um original datilografado, entregue a ela pelo próprio Serpa, quando foi sua estudante. É esse mesmo o texto no qual destaquei a hipertextualidade, assumindo a perspectiva de Raquel Wandeli. A escrita do Professor Serpa estimula-nos a pesquisar, a ir além das palavras ali transcritas. Uma breve incursão em conteúdos da física e da história da ciência, por exemplo, se impõe a quem pretende compreender significativamente esse texto.
26 de março
Que dê o primeiro clic quem nunca manipulou uma imagem.
A manipulação da imagem começa com o olhar. Começa quando olhamos com intenção definida porque antes mesmo do clic, já definimos um recorte de realidade que desejamos mostrar. O corriqueio ato de fotografar toma diferentes proporções na medida em que traçamos intenções para os usos que faremos daquela imagem. Afinal, basta observar o tipo de foto que postamos em nossas redes sociais, observar quais são as fotos que achamos dignas de serem impressas, reveladas, publicizadas.
Com as tecnologias digitais e toda a gama de softwares de edição de imagens, temos em nossas mãos o controle sobre a produção de sentidos em relação às imagens que produzidos. Quero corrigir uma fotografia com pouca luz, quero apagar aquela espinha. Que mal há em apagar uma espinha, afinal, ela é temporária e a fotografia, eterna. Salvação de processos, retoque de detalhes… mas e quando quero meus olhos mais verdes, minha barriga menor? Recorrer ao editor de imagens é uma solução mais barata e mais segura que cirurgias, contudo há limites para isso?
No editorial de uma das Playboys (acho que tinha a Adriane Galisteu na capa), o editor enfatizou que a revista não faz uso de softwares para distorcer formas, alisar pele, “artificializar” a beleza. Tudo que a revista faz é artístico, e para tanto, conta com um exercitos de iluminadores, maquiadores, fotógrafos… software de edição de imagens? só para apagar espinhas. Isso é arte. Mas obviamente, ele não diz, é manipulação.
Então, que lição fica de uma oficina com softwares de manipulação de imagens? Muitas. Por enquanto, deixo duas. A primeira, é a de que nos colocamos frente a frente com nossa identidade. Como me vejo e como quero ser vista. O mundo digital amplia as possibilidades de nossos processos identitários pois nos possibilita assumir papéis e identidades aos quais, talvez, jamais nos prestariamos na vida fora do ciberespaço. Outra lição: a visão que tenho de mim em relação ao que a mídia pressupõe que eu deva ser. Não sou loira, não sou alta, não sou magra. Não sou simétrica, não sou uma imagem consumível justamente porque o meu padrão não está na grande mídia. Contudo, essa mesma mídia convida mulheres reais e, com o software de edição de imagens – dentre outras estratégias – as torna mulheres ainda mais reais por que, transformadas em objeto de desejo, de consumo, ficam presentes no imaginário social como meta a ser alcançada, muito mais do que a mulher real que a originou. Quem já assistiu o vídeo Dove Evolution sabe do que estou falando.