“Não queremos que nos xinguem na escola”

Imagem do Livro Cuidado, escola. Ilustração de Claudius Ceccon. Disponível em http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas/ie2/infoeduc/escola.html
Imagem do Livro Cuidado, escola. Ilustração de Claudius Ceccon. Disponível em http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas/ie2/infoeduc/escola.html

Quando nos debruçamos a estudar a área de Educação começamos a ouvir [e a repetir] algumas afirmações que quase se parecem mantras, como por exemplo, “é preciso partir do saber do aluno”, “é necessário identificar seus conhecimentos prévios”, “a aprendizagem tem que ter significado”… e por ai vai.

Essas afirmações, originadas de pesquisas e teorias de aprendizagem, são disseminadas por pedagogos e educadores e fundamentam textos de políticas públicas, alcançam cursos de formação nas mais diversas modalidades e vão sendo incorporadas ao discurso daqueles que se dizem implicados com a aprendizagem dos estudantes. Porém, sempre me pergunto em que medida esses discursos realmente se concretizam em práticas que mapeiam, valorizam e ampliam o saber dos aprendizes?

Na prática e na teoria, podemos encontrar diversos caminhos para isso, especialmente entre as propostas educacionais de cunho construtivista e progressista. Dentre essas correntes, a liberdade de expressão, o diálogo, a troca de ideias são práticas muito valorizadas e extremamente necessárias para o desenvolvimento dos|as educandos|as e dos|as educadores|as.

Porém, quando colocamos nossas lentes sobre o cotidiano de algumas escolas, cotidiano que é “tão bem” dividido em tempos de 50 minutos e curricularmente gradeado em conteúdos pré-estabelecidos, me pergunto: quando é que ouvimos o que os estudantes tem a dizer? Quando é que temos condição para observar o que os aprendizes tem a nos mostrar?

Essas questões ganharam destaque dentre minhas inquietações em um encontro do projeto Bairro Escola Rio Vermelho, visando a elaboração de um plano educativo para o bairro.  Esse encontro – o primeiro do qual participei – era apenas um dos muitos já realizados no período de dois e meio, quando o projeto foi iniciado. Ali estavam presentes diretores e diretoras de escolas do bairro, pessoas da comunidade, professores|as e estudantes.

Os estudantes ali reunidos totalizavam cerca de 7 ou 8 jovens, entre 11 e 15 anos, pelo que pude observar. E confesso minha alegria com a dinâmica de trabalho proposta pela equipe organizadora do encontro, ao propor a organização de pequenos grupos de discussão, dentre quais escolhi ficar naquele em estavam esses|as jovens.

Inicialmente, destaco que pude fortalecer algumas verdades que carrego comigo desde que comecei a estudar sobre criança e infância e, mais recentemente, sobre juventude e adolescência: as crianças e os jovens são sujeitos ativos, cheios saberes e originalidade. Crianças e jovens, desde que tenham espaço, são capazes de falar por si mesmos. Essa perspectiva pressupõe que abandonemos a visão adultocêntrica quando nos lançamos na Educação das crianças e dos jovens, buscando criar espaços nos quais eles possam se expressar através de todas as suas linguagens.

Colocando em perspectiva essas afirmações, vamos ampliar essa reflexão para a relação professor-aluno? Nas nossas escolas, tão cheias de desafios, quem está no centro do processo educacional? Existe espaço para a expressão de saberes, interesses e culturas daqueles que fazem parte da instituição escolar? E ainda, os adultos estão abertos a ouvir aquilo que os|as estudantes tem à dizer?

Quando o nosso pequeno grupo de discussão se organizou para ouvir o que os estudantes tinham a dizer, pude registrar algumas dessas revelações:

– “Nós não queremos ser xingados”. Foi o que disse um dos jovens ao fazer um relato sobre o tratamento que recebem de alguns profissionais da escola na qual estuda. Afirmação essa que foi confirmada pelos|as colegas de outras escolas;

– “Não é certo quando nos tratem bem só na frente dos nossos pais”.

Essas queixas me deixaram estarrecida, especialmente quando as crianças disseram as palavras que são usadas nesses xingamentos.

É importante esclarecer que o sentido do xingar estava atrelado ao uso de palavras vulgares e ofensivas para se referir aos estudantes pessoa. Não se tratava de um sentido de repreensão para coibir comportamentos inadequados, como por exemplo, “sua mão vai te xingar [repreender] quando descobrir o que você fez”. Ou seja, quando as crianças disseram que não querem ser xingadas, elas estão revelando que não desejam ser desqualificadas, insultadas e ofendidas na escola. E isso é direito de qualquer pessoa, em qualquer lugar!

O exercício de ouvir pode ser muito revelador porque nos mostra coisas que eventualmente não gostaríamos de ouvir. Mas precisamos dar ouvidos a essas falar e agir para não continuar (de)formando crianças e jovens que, quando adultos, assumirão essa mesma postura de desqualificar o outro através de palavras ou ações.

Percebo que é preciso trabalhar fortemente a estrutura das relações escolares, tendo como base as relações dialógicas, pautadas no respeito entre todos os participantes da instituição. Mas isso não é fácil, pois nos coloca em contato com realidades que alguns querem evitar ou maquiar.  Talvez por isso, a fala seja tão cerceada em ambientes controlados como o de certas escolas por ai.

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