Esse áudio é resultado do trabalho do colega Tel Amiel, professor universitário e pesquisador da Educação Aberta. Como militante de tecnologias livres, Tel me fez duas perguntas cujas respostas originaram o texto a seguir:
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1. Considerando que na educação, cada vez mais estamos conectados e usando serviços e aplicativos de grandes empresas, quais são algumas preocupações que surgem? [pensando no gancho principal de privacidade, dados pessoais, mas também autonomia, participação, e toda a discussão hacker/SL]
Hoje, minha maior preocupação não é nem com a privacidade das pessoas individualmente. Infelizmente, muitos de nós abrimos mão desse nosso direito constitucional, às vezes por desconhecimento, às vezes por comodidade, mas a maioria das vezes, vejo que é por falta de opção. Infelizmente a maioria de nós – e falo isso como uma pessoa comum, que estuda a área, mas também se vê o tempo todo envolvida em situações em que minha privacidade e meus dados se tornam mercadorias – não temos consciência clara do que significa termos nossa vida, nossas preferências, nossos sentimentos mapeados a partir das redes sociais, das conexões de celular, e até mesmo do nosso CPF. As histórias de ficção cientifica de livros do passado, os filmes e séries mais atuais sobre controle genético da população, estão se tornando possíveis. E dentro de tudo isso, o que mais preocupa não é que os individuos entreguem suas informações, mas que nossas instituições públicas e governamentais o estejam fazendo. Porque quando um direito fundamental de uma pessoa é desconsiderado pelo poder público, isso é um risco para todas as pessoas. Portanto, a falta de interesse politico do poder público em desenvolver em tecnologias de informação de ponta é muito preocupante. A tendencia de adquirir licenças proprietárias já não se restringe a softwares e aplicativos executados em máquinas individuais, mas se estende para ouros serviços que são fundamentais para a soberania de qualquer país. São servidores, suites completas de trabalho e armazenamento de dados de governo, de ciência e tecnologia, todos comprados de empresas estrangeiras com dinheiro público. Então pagamos por backbones, serviços de segurança, serviços de conexão, todos de fora, e não temos investimento nas nossas próprias empresas, na nossa própria economia. Enquanto isso, observamos as agências nacionais de comunicação e tecnologia sendo sucateadas, esquecidas ou até privatizadas. E como se isso não fosse suficiente, a falta de reflexão diante desse cenário toma nossas agências de produção de conhecimento e o setor educacional como um todo. A pandemia só veio agravar e acelerar algo que já estava acontecendo. Muitos conglomerados educacionais, Secretarias de Educação Municipais e Estaduais, universidades e agora, instituições escolares de menor porte, estão adotando sistemas digitais de ensino privativos feitos por grandes empresas de tecnologia, em troca de “serviços” ou “aparelhos de baixo custo” de graça. E em nome disso, assinam contratos que contradizem os princípios da própria instituição. Um exemplo que não canso de repetir se refere à USP ter fechado um contrato com a Google for Education. No termos de adesão, consta uma cláusula que proibe a USP de fazer engenharia reversa das soluções google. Isso, na minha opinião, é um tiro na cabeça da autonomia universitária, porque se o papel das universaidades é exatamente investigar e explicar o funcionamento das coisas, como é que uma universidade assina um compromisso desse?
Eu ainda considero que a opção pelo software livre é uma escolha ética e portanto, política. Sem romantismo, mas com investimento econômico e cultural, é possível fomentar e manter um ecosistema sustentável e inovador de produção tecnológica com software livre, se isso fosse foco de investimento de Estado. Quando falo de investimento de Estado reconheço, inclusive, a necessidade das parcerias público-privadas em algumas áreas porque sabemos que a inovação na máquina pública tem limitações de diversas ordens, obviamente deveriam ser reasguardados os direitos e bens públicos nessas parcerias.
O que tenho visto hoje é que temos uma juventude muito engajada em produzir app com plataformas prontas, fechadas. Os modelos open soucer ganham espaço, sem que sejam discutidas as questões éticas impli cadas nesses modelos de negócio. Ao mesmo tempo, há pessoas que buscam saídas, estratégias, buscam mais abertura e liberdade de produção, mas se deparam com a necessidade de sobreviver e no mundo da tecnologia, os negócios estão cada vez mais concentrados em monopólios. Isso cria poucos incentivos e afasta possibilidades tecnológicas implicadas com a realidade de pequenas comunidades, de grupos com culturas próprias, pois estes tem que se adequar a modelos e padrões pré-estabelecidos por grandes empresas. Enfim, não vejo, nesse cenário, incentivo para que possamos construir qualquer tipo de soberania tecnológica a curto, médio ou longo prazo.
2. De que maneira a adoção de sistemas e plataformas em software livre por instituições, redes e docentes, podem ajudar a encarar alguns desses problemas?
que lhe parece?
Felizmente muitos seres humanos ainda acreditam na liberdade e mesmo que vivam na contradição de assumir trabalhos em empresas fechadas, monopolitas, ainda investem seu conheimento em projetos abertos, coletivos, comunitários. O hackerismo hoje sobrevive e cresce nessas brechas, em momentos de encontro de grupos formados por essas pessoas. O hackerismo emerge de outros movimento que se posicionam contra as desigualdades e opressões no mundo das tecnologias. É interessante perceber que muitas pessoas acreditam que fomentar um ambiente de produção tecnológica mais aberto vai se transformar em algo confuso, bagunçado, inseguro, mas é exatamente o contrário. As práticas de criação hacker nos mostram que projetos de expressão sempre se organizam em torno de pessoas com grande conhecimento, pessoas que vão chancelando contribuições, validando, engajando mais pessoas naquele projeto e abeindo espaço para que projetos diferentes surjam dali. De modo geral, esses projetos tem nucleos parecidos, pontos de convergência, e ao mesmo tempo, especificidades que só podem ser alcançadas com abertura. As universidades, por serem mantidas com recursos publicos, deveriam investir em plataformas e tecnologia. Isso seria melhor compreendido se o preconceito histórico com o SL não fosse um problema.